segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Lembranças.



São apenas lembranças, mas foram dias, anos, momentos incríveis...
Acredite, não existia nada melhor do que a minha infância. Gostava de ouvir o som da chuva caindo forte no telhado e depois correr para a janela e acompanhar o caminho que a água fazia até chegar dentro da cisterna que abastecia todos na família durante a escassez. Lembro que sempre ao amanhecer, a chaminé soprava o aroma do café que minha avó deixava escapar pela vizinhança.
Lembro da velha fabrica de algodão no bairro, era para lá que eu e a minha turma de amigos corríamos toda vez que chovia forte. Ganhava o direito de ficar mais tempo na cascata que saia das bicas da fabrica, quem chegasse primeiro. Correr na chuva é algo mágico, sem saber por que a gente acaba comemorando algo. Tudo é alegria quando brincamos na chuva , tudo muda com a chegada do inverno, o vento o céu o cheiro da terra a vida dos que dependem dela. De onde vem aquele sopro de vento que traz junto tantas alegrias sorte, fartura e às vezes o destino?
Acredito realmente que exista algo de especial que cai sobre a terra e com a chegada dos ventos do inverno,deixando alguns felizes, outros nem tanto. Eu sei o que sinto quando chove e o inverno começa.
Algo parecido como um sopro, que banha a terra e nos deixa de alma lavada.
Concebido ou não, acredito que os ventos são os nossos anjos da guarda, parentes queridos que simplesmente saem as vezes para brincar e ficam felizes na chuva ao nos ver e meio que num transe, brincamos junto com eles sem perceber. Já notou que alguns cantam sozinhos na chuva, brincam de maneira como se compartilhassem tal brincadeira com alguém? Quem explica tamanha alegria de brincar, do beijo apaixonado em plena chuva, como fazem alguns casais ainda adolescentes. Tantos encantos, contatos e nem sempre estamos prontos para enxergar...
Algo sempre me intrigou na época das fortes chuvas de inverno, uma delas eram as pessoas que caminhavam pacientemente, andando naturalmente como se a chuva não existia. Seriam pessoas de verdade ou algum espírito triste tentando voltar para casar?
Lembro-me também de ficar debruçado na janela da casa dos meus avós onde cresci, era uma casa mágica, pois contava a historia de 05 gerações da minha família. Ela guardava também o cheiro que só a casa dos avôs poderiam exalar, algo talvez que só as crianças sentem e percebem. Não existia nada mais encantador e generoso do que ficar olhando pela a janela aqueles campos verdes, as chaminés soprando aquele cheiro de café logo cedo da manhã. Uma paisagem perfeita, mesmo quando surgiam às nuvens de cor cinzenta no horizonte, pegando o gado sempre de surpresa com vento, chuva e trovões.
Nessas horas pensava... Se os espíritos não estiverem satisfeitos, será uma noite de muitos relâmpagos e trovões.
Foi o que aconteceu, seguiu então o dia sob uma forte chuva de inverno. Quando a noite se fez presente, o silêncio era total, se ouvia apenas o som dos ventos e o ranger de uma velha arvore que existia ao lado da janela da casa. Mesmo com todas as portas da casa fechada, a chama da velha lamparina a gás não parava de receber um sopro misterioso dos ventos. Como eu disse antes, existem vidas diferentes quando a chuva cai e os ventos sopram. Fazer os ventos das sombras partir, não tem nada haver com fé. Antes Eu sentia medo, hoje já entendo a minha relação com estes elementos.
36 anos passaram-se e a cada inverno continuo feliz com minhas nuvens e relâmpagos. E os trovões que antes me deixava com medo, hoje Eu falo com eles.
Enquanto as chuvas de inverno e os ventos que chegam do norte, aconselho a dançarem com eles. Tentem ouvir seus chamados, afinal, nunca estamos sozinhos quando a chuva cai. Mas se por acaso uma brisa soprar forte em seu rosto... Lembrem-se, são os nossos velhos amigos, parentes que os ventos levaram um dia e de vez em quando por algum motivo, eles choram como nós também choramos, mas ficam muito mais felizes, quando nos encontram em um dia de chuva, relâmpagos e trovões, para só depois trazer sempre uma nuvem azul.

“Tudo que a chuva molha os ventos secam, menos as lembranças de uma criança ”
ZIRALDO FELÍCIO

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